domingo, 29 de maio de 2011 7:30
Henrique Munhos
Especial para o Diário do Grande ABC
(Publicado no DGABC 29.05.11)
Eles não são famosos e também não contam com grande fortuna. Os craques do futebol amador de São Bernardo, entretanto, ganham um salário que faz muita diferença em suas vidas.
Os principais jogadores da Divisão Especial chegam a ganhar até R$ 250 por partida ou R$ 1.000 se conseguirem marcar presença nas quatro rodadas mensais da competição.
O meia Edmi Silva da Mota, 32 anos, é um destes casos. Desde os 17, o atleta já atuava nos campeonatos amadores da cidade. Durante a carreira na várzea, passou por Palestrinha, Estrela D, Itaperuna e São Leopoldo. Há dez anos veste a camisa do Corinthians, do bairro Alves Dias.
Apesar de receber diversas propostas, Edmi segue fiel ao clube por conta de ser também o local de trabalho na semana. De terça até sexta, o então jogador vira treinador das categorias de base do Corinthians, que disputam os campeonatos da Liga de Futebol de São Bernardo e a Taça José Rossi, que é organizada pela Prefeitura.
Com salário de R$ 600 como professor, a quantia ganha no fim de semana é de grande valia para o morador do bairro Assunção. "É de extrema importância, sem dúvida. Conto com isso para sustentar minha família todo mês", afirmou o meia, que mora com a mãe, a mulher e a filha.
Quem também tem de agradecer ao clube que hoje veste a camisa é o meia Ivan Carlos da Silva, 32. Foi graças ao Nacional da Vila Vivaldi que ele conseguiu retomar a vida.
Ivan atuou como jogador profissional por diversos clubes, como Juventus, Gama, União São João, Umuarama -PR, Platinense-PR, Camponovense-SC e até na Suécia, pelo Syrianska. Mas quando voltou da Europa sem renovar o contrato e aos 28 anos, percebeu que seria difícil encontrar novo clube no País. "Futebol sempre foi minha vida, então não sabia fazer nada diferente disso. Tenho de agradecer aos diretores do Nacional", declarou.
O atleta conseguiu emprego em loja de carros que é de propriedade dos diretores do clube. Mas como as vendas caíram nos últimos meses e Ivan tem uma filha de 1 ano, resolveu sair do comércio. "Enquanto não arrumo nada, o que ganho nos fins de semana é o que segura minhas despesas", ressaltou.
Já o lateral-esquerdo Leandro Ono, 25, do Paulicéia, revelou que o que ganha no futebol amador consiste em 30% de sua renda. Ele trabalha como treinador de futebol para os sócios do Corinthians, em São Paulo. Mas esses 30% somam também outros campeonatos da várzea, como a Copa Kaiser, que é disputada na Capital.
Nenhum dos três atletas revelou quanto recebe por mês em seus clubes. Mas Edmi e Ivan afirmaram que o salário de jogadores que já atuaram como profissionais fica entre R$ 150 e R$ 250.
Multas e doações servem como punição aos indisciplinados
Muitos acreditam que o futebol amador é dominado por brigas entre jogadores e torcedores, mas os três atletas entrevistados pelo Diário foram unânimes ao dizer que os campeonatos de São Bernardo são torneios pacíficos e muito bem organizados.
Leandro Ono relatou situação complicada em Diadema. "Uma vez a partida estava empatada e um torcedor, no intervalo, entrou com facão no vestiário nos ameaçando caso não ganhássemos o jogo", conta. Por isso, o jogador pensa duas vezes antes de assumir compromisso com uma equipe. "Temos de levar em conta o ambiente em que estamos nos metendo. Além da violência, o próprio clima entre elenco, comissão técnica e torcida tem de ser levado em conta."
Edmi Silva da Mota também sentiu medo em Diadema. Após briga com adversários, quase foi espancado pela torcida adversária. "Foi por pouco", ressalta. Segundo ele, que disputa os campeonatos amadores de São Bernardo desde 1996, a cidade se organizou com o tempo. "Já houve casos deste tipo (ameaças de torcedores) aqui. Mas agora está tranquilo", completa.
O presidente da Liga de Futebol de São Bernardo, Edwards Neto, 44, declarou que as punições são severas caso haja algum tipo de violência nos jogos. "Criamos um tribunal e somos muito rígidos. Julgamos torcedores, atletas e diretores. Usamos até penas financeiras e doações de cestas básicas, que pegamos para dar para algumas entidades."
Neto também revela que a principal ação de conscientização tem de vir dos dirigentes dos clubes. "Eles têm de dar exemplo, já que são os líderes, e conter as torcidas de seus clubes", explica.
Para Ivan Carlos da Silva, a violência está presente em Santo André. O jogador contou que há dois anos havia problema com sua inscrição e a de um companheiro. Em razão disso, a torcida adversária ameaçou "quebrar tudo" caso os dois atletas atuassem. "Foi um sufoco", afirma.
Realidade do esporte trava carreira profissional
Grande parte dos craques do futebol amador é ex-profissional. Outros tantos já chegaram perto disso. Com os atletas de São Bernardo a história não é diferente. Mas ganhar a vida como jogador de futebol não é tão fácil como se pensa, e esses homens que hoje correm pela várzea tiveram de abandonar o sonho por conta de triste realidade.
Com 21 anos, Leandro Ono desistiu de se tornar jogador famoso e optou por terminar a faculdade de Educação Física e procurar emprego. O atleta atuou por São Caetano, Santo André, Taboão da Serra, Palestra, Força Sindical e Nacional de Rolandia-PR, entre categorias de base e profissional.
Foi no Paraná que ele sentiu como a vida de jogadores desconhecidos é complicada. "Fiquei quatro meses sem receber. Não tinha o que comer. Via que o pessoal do clube colocava água no leite para render mais. Foi muito difícil", conta. A partir dessa experiência, o futebol profissional não fez mais parte da carreira de Ono.
Com Edmi Silva da Mota não foi diferente. O meia, que passou por Juventus, São Caetano, Nacional de Rolândia, Lençoense e Cáceres-MT, abandonou o sonho aos 22 anos. Nos clubes brasileiros, seu salário nunca chegou a R$ 500.
Mas a pior experiência ocorreu fora do País, quando foi a Portugal atuar pelo Amarante, da Terceira Divisão. "Fui para ganhar R$ 1.500 e não vi a cor do dinheiro. Depois de quatro meses sem receber e com filha recém-nascida, vi que essa vida não daria certo e não quis mais ser profissional", revelou.
Os jogadores também cometem erros difíceis de serem reparados após parar de atuar. Ivan Carlos da Silva não juntou dinheiro na passagem pela Suécia e, quando resolveu que não iria mais ser profissional, tinha grande dívida para pagar. "Cometi excessos e tive que me redobrar para conseguir uma casa e um carro aqui. Além disso, só fui conseguir graças à ajuda dos diretores do Nacional", afirmou.
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